sábado, 26 de dezembro de 2009

Eternal Sunshine of The Spotless Mind

" How happy is the blameless Vestal's lot!
The world forgetting, by the world forgot.
Eternal sunshine of the spotless mind!
Each pray'r accepted, and each wish resign'd."
Alexander Pope


Uma autêntica preciosidade do cinema...

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

...

"Todas as coisas tombam e são construídas de novo/ E os que as controem outra vez são felizes."
Yeat




Os amigos, pedra firme sobre a qual demoradamente construímos, ao longo de muitos e laboriosos dias, a nossa igreja, são afinal (sabemo-lo sempre tarde de mais) uma coisa frágil, feita de vulnerável matéria.

Um dia alguém nos telefona anunciando a morte de um amigo e descobrimos que estamos, se possível, ainda mais sós, que à nossa volta cresceu o deserto e a noite é ainda mais escura e mais fria. Não é apenas um sentimento, é uma impressão sensível, física, uma mão sólida na garganta, sufocando-nos. Porque percebemos, de repente, que quem morreu fomos nós. E morrer da morte de um amigo é a mais difícil das mortes. Ficam sombras, não necessariamente as nossas, desconhecidos habitam agora a nossa casa falando línguas incompreensíveis e nós próprios nos tornámos estrangeiros. É revoltante. Porque é intolerável olhar para o lado (para o lado do coração) e não estar lá.



Manuel Pina

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

À Sombra da Memória


“A vida em si, cada momento da vida, cada gota sua, aqui, neste instante, agora, ao sol, era suficiente. Demasiado, até.”

Há já alguns anos, no Porto, eu quase tive uma rua assim, e um jardim profundo muito perto, e outro, não muito longe, onde a brancura dos cisnes abandonava a água para invadir a sombra azul dos jacarandás.
As casas não se distinguiam umas das outras na sua banalidade forrada de azulejos, sem degraus exteriores a descer ou a subir ao portal, é certo.
As cidades, por toda a parte, tornaram-se insuportáveis. Só algumas muito raras escapam à danação: terão que ser pequenas e de província, naturalmente.
O Porto, além das privilegiadas residências cercadas de muros espessos como muralhas, tem ainda um ou outro jardim, uma ou outra rua a lembrar aquela em que me refugiei. Mas a cidade o que tem, sobretudo, é carácter – um carácter que faz do cidadão do Porto o mais belo estilo de se ser português.
Esta cidade, cujo espírito exasperado e viril fez do granito escuro das suas pedras espelho da própria alma; esta cidade, cuja gente tem uma rudeza de fala e de gestos que lhe vai a matar com o seu ódio à futilidade e à hipocrisia; esta cidade, que herdou da aspereza do solo e do carão duro do rio uma solidez que leva às coisas da arte e do coração; esta cidade, deixa-me repeti-lo, com o seu carácter eminentemente democrático e popular, torna, por comparação, o resto do país, com excepção do Alentejo e do Alto Douro, completamente amorfo. A maior virtude do Porto foi Almeida Garrett, o mais genial dos seus filhos, quem a pôs em evidência, ao dizer que “se, na nossa cidade, há muito quem troque o ‘b’ por ‘v’, há muito pouco quem troque a liberdade pela servidão”. (…)

O Porto é a mais fechada das nossas cidades (daí parecer tão secreta), e eu nunca procurei ganhar a sua confiança, quando a conheci já pertencia a outras luzes, a outras sombras. Vivendo nela como se nela não vivesse. (...)

Os pescadores do paredão, cuja arte de paciência me lembra os miniaturistas persas, sonhando com fanecas ou enguias ou robalos; vou esquecer-me disso, porque o bonito é o repuxo, sobretudo quando o sol se mistura com as águas, e tudo é poeira doirada, como o Cabedelo, que volto a contemplar. Esta é a luz que gostaria de levar nos olhos quando morrer – a luz da Foz, atravessada por duas ou três gaivotas.

Eugénio de Andrade



quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

O Deserto Tatuado


Eu devia estar meio louco
quando parti assim sozinho de bicicleta
pedalando em direcção aos trópicos levando comigo
um medicamento para o qual ninguém achara ainda a doença e esperando
chegar a tempo


passei por uma aldeia de papel com vidro por cima
onde os exploradores pela primeira vez encontraram
o silêncio e o ensinaram a falar
onde os velhos ficavam sentados à porta
de casa matando sem piedade a areia

irmãos gritei-lhes
digam-me quem levou daqui o rio
onde vou achar agora um sítio bom para me afogar

Richard Shelton