sábado, 9 de maio de 2009

Abril Calling



É fácil ridicularizar a frase «não foi para isto que se fez o 25 de Abril». Eu não consigo fazê-lo. Uma vez vi a minha mãe caminhar pela rua uns metros à minha frente. Não esperava vê-la naquela parte da cidade, e corri para ela. Ao aproximar-me vi que ela estava a chorar, e ela, quando me viu, contou-me tão rapidamente e descontroladamente quanto as palavras lhe saiam que tinha decidido sair para resolver um problema que nos apoquentava mas que tinha sido tratada de forma arrogante por uma assistente social. A primeira frase que lhe saiu: «foi para isto que se fez o 25 de Abril?».
Eu poderia ridicularizar a frase, mas não consigo fazê-lo, tal como não conseguiria ridicularizar alguém que se sente traído. E a maneira como a frase saiu foi essa, a de alguém que se sente traído. O que faz muito sentido, se pensarmos que o 25 de Abril foi o dia por que essa pessoa se apaixonou por uma ideia de país a que o país (naturalmente?) não corresponde sempre. Seja como for: num país desiludido como o nosso, foi no dia 25 de Abril de 1974 que as pessoas se apaixonaram pelo futuro. E quando as pessoas se apaixonam passam a acreditar em coisas em que não acreditavam antes.
Acreditar ou não numa ideia faz toda a diferença. Para o explicar, vejamos: o Portugal em que o dia 25 de Abril de 1974 amanheceu era um país com censura, presos de opinião e polícia política. Quando entardeceu, Portugal era um dia em que todas estas coisas tinham acabado. Porquê? Não porque já se tivessem aprovado as leis que aboliriam estas coisas, nada disso, nem porque não se viesse a verificar no futuro ocorrências de algumas delas (voltou haver esporadicamente presos de opinião, e a censura é um conceito mais difícil de demarcar do que parece à primeira vista). Mas, no entanto, podemos afirmar que a censura acabou nesse dia, como acabou a polícia política e a existência de presos políticos. Isso aconteceu porque nesse dia as pessoas chegaram definitivamente à conclusão de que essas coisas eram inadmíssiveis e que no Portugal futuro elas não poderiam existir.
Pode parecer pouco, mas a crença geral na admissibilidade da censura, dos presos de opinião ou da polícia política é a principal razão para que estas coisas sejam inadmissíveis.
É curioso, não? Muito mais coisas se sustentam na crença do que estaríamos inicialmente dispostos a conceder. É por isso que é preciso ser cuidadoso nas escolhas das crenças.



1 comentário:

  1. Pois é...acreditar em alguma coisa com muita força, torna aquilo em que acreditamos numa verdade concreta que acontece fora de nós...mesmo que essa verdade não passe de uma utopia dentro de nós.

    ResponderEliminar